Hoje eu me vejo como mulher. Não somente hoje, mas durante os 19 anos que vivi. Desde sempre vi a imagem de ser mulher por uma ótica inconformada. Quando era pequena, usava as roupas do meu irmão e as maquiagens da minha mãe. Brincava e corria, sujava meus vestidinhos e adorava camisetas listradas e largas. Apontavam que eu era bruta, que eu não sabia ser feminina. Não me conformei nunca com isso. Cresci e continuei no mesmo exercício, que com o passar dos anos se desenvolveu a questionar todo tipo de agressão patriarcal. “Não é justo que mulher tenha que fazer certas coisas. Não é justo que mulher tenha seus direitos cerceados. Não faz sentido mulher ser desrespeitada, muito menos ser morta por simplesmente existir.” Mas nos últimos meses provei na carne uma das maiores injustiças: a sociedade ter de dar um selo de aprovação para conceder alguém o “ser mulher”. A mulher não se define pelos genitais. Para ser mulher, não é preciso usar batom, tão menos saia. Não precisa ter buceta, não precisa ter uma voz delicada. Existem mulheres de barba, existem mulheres com pinto, existem mulheres onde nós sequer imaginamos pois vivemos numa sociedade não só patriarcal como cissexista. A maior agressão de todas é definirem nosso gênero antes mesmo de podermos pensar por nós mesmos. A maior agressão de todas é a normatização do termo “sexo biológico”. A partir do momento que você nasce, a sociedade espera que você aja de tal modo. Quem se descobre trans* no meio do processo está fadado. Fadado a sofrer múltiplas e infinitas restrições de direitos básicos, de respeito, de amor, de compreensão. Fadado ao apagamento, esquecimento, marginalização, silenciamento. Somos discriminadas, discriminados, discriminadEs por sermos quem somos. A maior guerreira é a mulher trans*. Sim, trans com asterisco. Pois mesmo dentre as identidades trans* existe um apagamento GIGANTE das identidades que fogem do binarismo de gênero, o “clássico” homem e mulher. Durante toda minha vida sofri um questionamento sobre o que eu era, nunca obtive resposta. Nossas identidades são silenciadas, nossa vivência, horrorizada. Hoje me classifico como gênero fluído, um tipo de identidade não binarista. Isso quer dizer que me vejo hora como homem, hora como mulher. Agora vocês me perguntam: o que a mulher tem a ver com pessoas trans*, inclusive as não binárias? Simples: todes nós temos nossos gêneros marginalizados, de uma forma ou outra. A mulher é marginalizada pois tratam-na como objeto, subjetiva ao homem. As pessoas trans* são marginalizadas, pois aos olhos da sociedade nós não existimos. A mulher cis sofre feminicidio para a manutenção do poder patriarcal. A mulher trans* sofre feminicidio por existir. Por ter sua identidade transformada em abominação. O mesmo com pessoas não binárias. A partir desse pensamento bem resumido, não seria necessária uma UNIDADE para combater o CIStema? Pois o patriarcado se mostra perigoso, mas tão perigoso quanto ele é o cissexismo, é o binarismo. O patriarcado subjulga as mulheres; o cissexismo agride as pessoas trans*; o binarismo é tão posto que é como se simplesmente não existíssemos. É sobre o que menos se fala dentro do movimento feminista como um todo. Fui feminista por 5 anos e só ano passado descobri sobre identidades não binárias. Eu sou homem, eu sou mulher. Eu uso maquiagem, uso roupas “masculinas”, uso vestido quando sou homem, uso bermuda e regata quando sou mulher. Uso o que eu quero quando tenho vontade, e isso não define minha identidade de gênero. O que vestimos, como aparentamos não tem nada a ver com ninguém a não ser nós mesmos. O cissexismo tem que acabar, o binarismo tem que acabar. Pessoas são invisibilizadas por isso. Quantas mulheres trans* existem no mundo, sem saber que são mulheres simplesmente pq gostam da sua barba, do seu pênis, do jeito que veste? Nossas identidades vão além da aparência. Nós somos o que nós falamos que somos, e não o que determinam que somos. E eu determino que mesmo gênero fluido, sou mulher e não saio da luta. Todo o meu amor, todo o meu apoio aos gêneros marginalizados: as mulheres cis, as mulheres trans*, homens trans*, genderqueers e etc. Juntes nós conseguiremos acabar com toda a opressão. A revolução será intersseccional, transfeminista ou não será.
Por Graziela Magnani Gatti (arrobaaocaleidoscopio), 19 anos, estudante de artes visuais, de São Paulo - SP. Genderqueer, brejeiro e beyhive.
Texto também postado no blog da Myka.
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