Ah, aquela pequenina menina. Dela não me esqueceria tão cedo. Foi ela que tornou todo aquele caos um pouco mais fácil de ser suportado. Foi por causa de sua doçura e inocência, que eu tive forças para continuar na luta.
Já estávamos a 5 meses no campo de batalha, e eu, confesso que não aguentava mais vivenciar toda aquela situação. Meu corpo pedia por pelo menos alguns minutos de descanso, de calma, mas como poderia pedir por isso se o lugar não era nada propício? Com quantas coisas horríveis eu acabei me deparando... São imagens, que quando fecho os olhos, ficam girando em minha mente. São amigos de tropa que vi mortos. Seus corpos estirados no chão e o sangue jorrando sem parar... Triste cenário. Eu ficava em choque. Mesmo já ‘acostumado’ não deixava de me surpreender, com o quão cruel pode ser o homem. Lutar, matar, morrer. Em campo de batalha, querendo ou não, todos estão no mesmo patamar, todos estão sujeitos à riscos sem volta. O fim será igual.
Havia dias, que eu perguntava quando aquilo ia acabar, mas não conseguia achar respostas. Pensava até em acabar com a minha própria vida, para que futuras dores mais fortes não tomassem conta de mim. Eu só queria ficar bem e continuava na esperança de voltar inteiro para minha família. Só na esperança. Até que em uma tarde, enquanto estava à espreita do inimigo, uma garotinha veio ao meu ao encontro. E eu logo pensei ‘‘Meu Deus, o que faz essa menina aqui em meio ao fogo cruzado? Ela vai acaba morrendo!’’ Fiquei assustado, extremamente receoso. E por incrível que pareça, ela me trouxe algo que há muito tempo não via: um sorriso singelo. Sim, isso mesmo. Mas como aquela garota poderia está sorrindo se todos nós estávamos numa guerra? Ela não tinha noção do perigo eminente?
Então ela se abaixou um pouco e com voz suave feito um anjo, me disse:
-Olá, meu nome é Zara. Você parece tão triste. Qual seu nome?
-Meu nome é Bob.
-Por que você está triste? Insistiu a menina Zara.
-É impossível não ficar triste com a guerra – respondi meio que de cabeça baixa.
-Eu sei bem, mas eu não entendo porque eles agem assim.
-Eles quem exatamente?
-Os homens de roupa verde!
-Os soldados? –Voltei a responder com medo do que ela iria achar de mim.
-É, mas você usa roupa verde e parece ser diferente. Você é uma pessoa boa de verdade.
Nem eu consegui acreditar naquelas palavras. E sorri. Sorri como nunca antes. Se me olhar no rosto vai ver as tristes marcas no sorriso. Mas até a tristeza que sentir por estar fazendo parte daquilo, parecia não fazer mais sentido. Zara foi tão simples em sua frase, mas esta me tocou profundamente que nem ao menos podia descrever a situação.
Depois de uns dois minutos em ficamos apenas nos ‘encarando’, voltei a falar algo:
-Nossa, sei lá... Obrigada! Mas o que você faz aqui? Onde estão seus pais?
-Eles foram mortos quando tudo isso começou.
-Você não tem mais ninguém?
-Não. Fico andando pra lá e pra cá, tentando me esconder dos homens de roupa verde.
Fiquei paralisado. Pobre menina. Eu sabia que várias outras crianças estavam na mesma situação que ela, mas nunca tinha parado para ouvi-las. Lágrimas quiseram escorrer pelo meu rosto, mas eu as contive. Minha intenção não era, em hipótese alguma, assustar Zara.
Então, ela me solta mais uma frase, que terminará por acabar com todas as concepções que eu tinha sobre a humanidade:
-Se não entendo porque tanta guerra. Não entendo mesmo. O que meu povo fez de errado? Por que eles têm que morrer? Não somos todos iguais? Qual o motivo pra tudo isso? Você entende? Por que eu não. Fico tão assustada. Eu só queria meus pais e meu irmão de volta. Queria minha família unida. Eu não sei o que vai acontecer depois... Quando isso vai acabar? Você sabe?...
Eu senti que ela ainda tinha mais para desabafar, mais para perguntar, só que preferir calar enquanto esperava o que eu poderia dizer. Mas o que eu iria dizer? Eu de nada sabia. Não passava de um subordinado, aguardando por ordens dos meus superiores. Almejava o fim daquilo tanto quanto aquela menina e a única coisa que consegui pronunciar foram estas palavras:
-Vai ficar tudo bem! Nós vamos ficar bem!
Mesmo percebendo que a resposta não fora a desejada, ela sorriu novamente. E sorriu sorriso iluminava o ambiente e fazia contraste com o Sol. Fiquei mais encantado ainda. Eu já estava ligado àquela menina. Eu queria lhe dar um futuro, lhe dar uma chance de ser alguém na vida. Dar-lhe uma chance de ter uma vida. E como ela já havia dito que não tinha mais nenhum parente. Eu logo tive uma ideia louca. Mas como estávamos em guerra, qualquer ideia louca poderia ser a salvação para uma vida. E acabou sendo para duas. Para minha vida e a de Zara.
Algumas semanas se passaram e a guerra, enfim havia terminado. E eu continuava vivo, com algumas cicatrizes, mas vivo. Não parava de pensar naquela menina. Passei mais alguns dias a procurando pela região, até que consegui encontrá-la e perguntei:
-Você quer ser minha filha?
-Hã? Como assim?
-Quer morar comigo? Posso cuidar de você.
A menina achou tudo estranho é claro. Mas balançou com a cabeça querendo concordar com que eu estava lhe propondo. É eu sei. Como iria tirar uma garota de seu país, assim do nada, sem por meio de adoção legal. Por isso não fui louco o bastante. Apesar de que o fato de ainda não ter filhos, criasse em mim o grande instinto de pai, de protetor, levei-a para um hotel em que estava hospedado e que era bem afastado de onde a guerra havia passado... Comprei-lhe roupas novas e brinquedos. Ela estava tão feliz. Então eu cuidava dos trâmites. A burocracia até que não foi tão intensa como imaginava, devido o caos que tomara conta de todo o país. Conseguir ser declarado pai ‘oficial’ de Zara. Ela agora tinha uma nova família e eu, uma chance de começar a ser feliz.
Nota da autora: Não sei o que vocês vão achar desta história, mas eu confesso que fiquei encantada em escrevê-la e amei o resultado disso. Fazia alguns dias que a inspiração não me visitava, e hoje ela tomou conta de mim e eu é claro, não pude negá-la. Demorei pelo duas horas nessa história e estou tão feliz e realizada que vocês nem podem imaginar. OBRIGADA! E DEIXEM SEUS COMENTÁRIOS OK?
"Quem faz a guerra nunca está no campo de batalhas."
ResponderExcluirAdorei seu texto, envolvente, emocionante. Lembra as vezes a Clarisse Lispector que uso como exemplo, por encarnar diversos personagens em sua literatura. E tu fez bem, fazendo uma narrativa em um personagem masculino mas com emoções que só vemos as vezes infelizmente com as mulheres. Ele sentiu afeto, preocupação por aquela criança. Pensava muito na família. Talvez um soldado cansado de ver tanta coisa ruim, queria mudar o destino de uma pessoa. Compaixão. Tão em falta hoje em dia. Não há compaixão entre as pessoas. Seu texto é uma narrativa que vai além de um simples texto, faz nos refletir sobre nossas atitudes, sobre o quão realmente estamos preocupados com os outros ou consigo mesmos... Simplesmente perfeito. Parabéns Herlene, me surpreendeu mais uma vez.
Adorei o texto. A prova que a beleza e o amor podem nascer até nos campos mais inférteis, como a guerra.
ResponderExcluirBeijo
Parabéns pelo texto, muito tocante e profundo.
ResponderExcluirPara mim é difícil textos desse tipo me prenderem a atenção, mas esse teve o efeito que a senhora talvez goste que foi de me emocionar.
Meus parabéns novamente e espero que essas inspirações sempre venham com grande força.
Que história liinda Lene, adorei:)
ResponderExcluirMesmo em tempos difíceis, seja na guerra ou não, o amor, a bondade pode sim ser maior.
Beiijos e parabéns:)
http://cartasp-voce.blogspot.com.br/
Se eu te contar que chorei você acredita? haha
ResponderExcluirLinda historia e muito emocionanto, você realmente me conquistou com essa história.
Voltarei sempre aqui para ler mais historias assim.
http://capricha-menina.blogspot.com.br/
Oi Herlene. A história possui ternura, está bem escrita (só carece uma revisão onde o Bob se refere a ele como "encantada" e "ligada"), mas não conseguiu me cativar. Talvez por ter lido muitos contos com o mesmo tema em sequência.
ResponderExcluirTambém não achei legal a solução dada para o problema da diferença de línguas entre os personagens. Foi um dos pontos que fiquei matutando como iria resolver no meu texto. Isso é chatice minha, óbvio, mas acho mais legal quando o conto se apega a detalhes "reais". E ficou meio estranho os dois falando a mesma língua.
Abraço.
Então Fabio, não vejo eles falando a ''mesma'' língua com algo tão assustador. Primeiro porque nem citei nomes de países e coisa e tal, então né... e também porque novelas, filmes fazem isso a todo mundo (não é querendo me comparar É LÓGICO) mas eu acredito que o mais seja o contexto em si e não meros detalhes só para a história parecer o mais ''real'' e nem é esta a minha intenção, é apenas imaginação, ficção sabe...
Excluirobrigada pelo seu cometário!
Mais uma linda história que eu tive a oportunidade de ler para essa edição do Bloinques :) Lindo o desfecho da história, cheguei a me emocionar. Lindo de verdade! Bela mensagem. Parabéns e muita boa sorte.
ResponderExcluirBeijos,
Monique <3
Emocionante.Coisas boas podem acontecer até em situações tão terríveis como uma guerra.
ResponderExcluirMuito bem escrito também esse texto,parabéns.
Beijos
http://imodelblog.blogspot.com.br/
Que história emocionante, Herlene. É otimo quando depois de tempos sem inspiração algo tão interessante arrebate assim né? Dá uma sensação boa. O texto ficou muito bom, muito intenso e passa uma mensagem maravilhosa com o desfecho. Parabéns (:
ResponderExcluirwww.primeirapessoa-dosingular.blogspot.com
Eu sou apaixonada por essa foto. Mesmo. E que texto lindo!
ResponderExcluirEu sou apaixonada por essa foto. Ai. E que texto lindo.
ResponderExcluirQue foto bonita essa que tu escolheu, Herlene. E que belo texto. Me deu vontade de fazer um trabalho de História com cartas de soldados, haha. Sério!
ResponderExcluir:*
http://hey-london.net
Bela história, Herlene! :)
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